Recursos humanos ainda são desafio na área nuclear

A renovação de quadros tem sido um dos principais desafios enfrentados pelo setor nuclear. Durante muitos anos, empresas e instituições de pesquisa vêm encontrando dificuldades para preencher as vagas deixadas pelos profissionais que se aposentavam, devido ao congelamento das contratações no setor público. Além disso, com a falta de investimentos governamentais após a conclusão de Angra 2, a área nuclear tornou-se pouco atraente para a maioria dos jovens em busca de uma carreira promissora. Nos últimos anos, no entanto, com a perspectiva de reativação do Programa Nuclear Brasileiro (PNB) e a retomada progressiva das contratações no setor público, os cursos da área nuclear começaram a ser disputados em todo o país.

O interesse dos jovens estimulou a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) a criar, em 2009, uma graduação em engenharia de energia com ênfase em energia nuclear. Em 2010, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) criou o primeiro curso de graduação em engenharia nuclear no Brasil. E, em 2012, a Universidade de São Paulo (USP) anunciou a criação de um curso de graduação em engenharia nuclear, cujo início ainda não foi fixado.

“A perspectiva de retomada do PNB influenciou a busca dos jovens pelo curso de graduação da UFRJ. No último vestibular, a relação foi de 11 candidatos/vaga”, diz o vice-diretor da Coppe/UFRJ, Aquilino Senra. Segundo ele, o mercado para o engenheiro nuclear está aquecido. “Há, no futuro próximo, a conclusão de Angra3, o projeto do submarino nuclear (incluindo o estaleiro nuclear), a construção do Reator Multipropósito Brasileiro (RMB), a criação da Amazul (Amazônia Azul Tecnologias de Defesa), a criação da Agência Nacional de Segurança Nuclear e a reposição dos profissionais aposentados e dos que se aposentarão”, enumera.

A procura também se intensificou nos cursos de pós-graduação. Segundo o presidente da Comissão de Pós-Graduação do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen/Cnen), José Carlos Bressiani, nos últimos dois anos um maior número de candidatos se inscreveu nos exames de seleção para os cursos do Programa de Pós-Graduação em Tecnologia Nuclear. Na UFPE, a procura maior recaiu na linha de pesquisa em engenharia de reatores, informa o coordenador do curso de Pós-Graduação em Tecnologias Energéticas e Nucleares (Proten) do Departamento de Energia Nuclear, Elmo Araújo.

Desafios

Apesar da crescente busca por carreiras na área nuclear, a questão dos recursos humanos ainda se mostra problemática. Antes mesmo da expansão prevista com a retomada do PNB, o ritmo lento de contratações não consegue suprir a carência de pessoal nas diversas atividades do setor, como licenciamento, inspeção, garantia de qualidade, aplicações nucleares e ciclo do combustível. “Só a continuidade da estrutura existente exige a absorção de novas pessoas”, afirma o diretor do Instituto de Engenharia Nuclear (IEN/Cnen), Paulo Augusto Berquó de Sampaio.

Além do preenchimento de vagas, outro desafio é a criação de novos postos de trabalho que absorvam os cerca de 30 engenheiros nucleares que serão colocados anualmente no mercado de trabalho pelos cursos de graduação e os outros tantos especialistas formados pela pós-graduação. Caso isso não aconteça, “eles irão migrar para outras áreas, principalmente a de energia do petróleo, se permanecerem no país”, adverte o diretor do IEN.

Segundo ele, como outros países também enfrentam problemas de recursos humanos na área nuclear, existe o risco de haver uma disputa em nível mundial por profissionais qualificados. “Estamos sujeitos a estar formando gente que não vai trabalhar no país”, afirma.

A migração de especialistas da área nuclear para outras áreas, após muitos anos de árdua formação e especialização, é um fato já presenciado pela coordenadora do Programa de Pós-graduação em Ciências e Técnicas Nucleares da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), professora Cláubia Pereira. “Geralmente acontece na área de engenharia de reatores, onde os empregos estão ligados à esfera governamental e dependem da existência de vagas. É carreira muito árdua e o profissional acaba se cansando”, lamenta.

Ela explica que, por sua formação em física de reatores, térmica e em segurança, esse profissional não tem dificuldade para se colocar na área de aplicações. “Ele pode trabalhar como físico médico em um hospital ou como analista de segurança em sistemas de engenharia química”, exemplifica.

A meia-trava do governo no projeto de construção de mais quatro usinas nucleares, após o acidente de Fukushima, trouxe reflexos na procura por cursos em algumas unidades. Na UFMG, embora o doutorado tenha se mantido estável – “o aluno enxerga que precisa continuar sua formação”, explica Cláubia Pereira -, houve uma queda nas inscrições para o mestrado.

José Carlos Bressiani também constatou uma retração no número de candidatos das três ultimas seleções realizadas para os cursos de pós-graduação do Ipen. Para atrair pessoal para as áreas “mais duras”, como são chamadas as áreas de reatores e do ciclo do combustível, está sendo desenvolvido, em parceria com empresas do setor, um programa de formação que oferece aos alunos bolsas de estudo específicas para o desenvolvimento de projetos nestas áreas. A expectativa é que o programa seja lançado já no próximo semestre.

O grande problema da área de recursos humanos reside, segundo Cláubia Pereira, na falta de uma política consistente e duradoura de formação. “A área nuclear não precisa ter muita gente, mas sim um ritmo de formação constante. No entanto, nos últimos 15 anos, nunca tivemos um programa definido. E estamos sofrendo as consequências”, afirma.

Instituições e Programas

O Brasil tem hoje mais de 800 alunos matriculados nos programas de formação na área nuclear, distribuídos entre os cursos de graduação e pós-graduação (mestrado e doutorado).

No Rio de Janeiro, o IEN/Cnen oferece o Programa de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia Nucleares. Foram formados 28 mestres, sendo 27 no mestrado profissional e um no mestrado acadêmico. Atualmente, há 32 alunos matriculados.

Ainda no Rio, a UFRJ oferece o curso de graduação em engenharia nuclear. Com as 30 vagas preenchidas e índice de evasão nulo, o curso deverá formar sua primeira turma em três anos. Iniciado em 1968, o Programa de Engenharia Nuclear (PEN) da Coppe/UFRJ, já formou mais de 520 mestres e mais de 200 doutores em engenharia nuclear. Atualmente, há 132 alunos inscritos nos cursos de mestrado e doutorado da Coppe/UFRJ.

Em São Paulo, o Ipen/Cnen oferece o Programa de Pós-Graduação em Tecnologia Nuclear. Estão inscritos 261 alunos no mestrado, 223 no doutorado, 36 no doutorado direto, além de 70 no pós-doutorado. Com 36 anos de existência, o Programa alcançou, em 2012, a marca de 2 mil dissertações e teses apresentadas, sendo 1.371 de mestrado e 629 de doutorado.

Embora não tenha curso específico de graduação, o Ipen oferece anualmente um conjunto de 26 disciplinas optativas de graduação que são aceitas na grade de várias unidades da USP e que também estão abertas para alunos de outras faculdades e universidades, na qualidade de alunos especiais. Em 2011, foram ministradas 18 disciplinas com a presença de 397 alunos.

Em Minas Gerais, o Centro de Desenvolvimento de Tecnologia Nuclear (CDTN/Cnen) oferece o Programa de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia das Radiações, Minerais e Materiais. O curso de mestrado tem 51 alunos regulares e o doutorado tem 39 alunos.

Também em Minas Gerais, funciona um dos mais antigos do país na área de engenharia nuclear, o Programa de Pós-Graduação em Ciências e Técnicas Nucleares (PCTN) da UFMG. Até agosto de 2012, o programa aprovou 16 teses de doutorado e 367 dissertações de mestrado. Atualmente o programa tem 54 alunos inscritos (mestrado e doutorado), dos quais 30% são da área de engenharia nuclear e 70% da área de ciências das radiações. Embora também não tenha graduação, disciplinas da área nuclear são oferecidas regularmente na graduação, tanto como optativas quanto eletivas, na UFMG.

Em 1977, o Departamento de Energia Nuclear da UFPE criou o Curso de Mestrado em Ciências e Tecnologia Nuclear (CMCTN), que em 1997, com a inserção do nível de doutorado, passou a se chamar Programa de Pós-Graduação em Tecnologias Energéticas e Nucleares (Proten), oferecendo cursos de mestrado e doutorado acadêmicos. O programa formou até agora 89 doutores e 261 mestres e conta, atualmente, com 163 estudantes (78 mestrandos e 85 doutorandos) matriculados. Em 2008, a partir de uma parceria entre a UFPE e o Centro Regional de Ciências Nucleares (CRCN-NE/Cnen), o programa passou a pertencer às duas instituições.

O DEN também oferece, desde 2009, um curso de graduação em engenharia de energia, no qual o estudante adquire habilidades nas áreas de engenharias nuclear e renováveis (energia solar, eólica e biomassa). O curso conta, atualmente, com cerca de 55 alunos matriculados.

Novo curso

O curso de graduação em engenharia nuclear que está sendo criado pela Escola Politécnica da USP terá ênfases em engenharia de materiais nucleares, engenharia de confiabilidade e engenharia de reatores. Serão oferecidas 60 vagas no vestibular, que ainda não tem data marcada. Mas é possível que uma primeira turma seja formada já em 2015.

Como parte do projeto de criação do novo curso, a USP firmou uma parceria com a Marinha do Brasil. As disciplinas do ciclo básico serão oferecidas em São Paulo e parte das especializações, no Centro Experimental Aramar (CEA) da Marinha, em Iperó.

Fonte: REVISTA BRASIL NUCLEAR,

Ano 16, NÚMERO 39, 06 de Dezembro de 2012,

Autora Vera Dantas

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