As técnicas convencionais de radiografia, como de Raios X e radiação gama, apresentam algumas limitações que impossibilitam visualizar com maior nível de detalhe a estrutura interna de materiais como água, sangue, óleo, borracha e explosivos.
Um sistema digital para tomografia com nêutrons, que entrou em operação no Instituto de Pesquisas Energéticas (Ipen), localizado na Cidade Universitária Armando de Salles Oliveira (USP), permite visualizar em duas e três dimensões a estrutura interna destes materiais ricos em hidrogênio, mesmo quando envoltos por espessas camadas de alguns metais, como alumínio, ferro, aço e chumbo.
Instalado por meio de um projeto de pesquisa, realizado com apoio da FAPESP, o sistema também possibilita inspecionar materiais radioativos, como elementos de reatores nucleares. E pode ter aplicações para o estudo da estrutura interna de materiais de diversas áreas, tais como da aeroespacial, arqueológica, médica, biológica e automotiva.
“A implementação desta nova técnica estimulará a abertura de novas linhas de pesquisa na área de imageamento de materiais empregando nêutrons como radiação penetrante”, disse Reynaldo Pugliesi, pesquisador do Grupo de Imageamento com Nêutrons do Ipen e coordenador do projeto à Agência FAPESP.
De acordo com o pesquisador, o sistema já é utilizado para realização de ensaios não-destrutivos de materiais de diversas áreas, como componentes pirotécnicos de engenharia aeroespacial, pás de turbinas de aviões, protótipo de coração artificial e objetivos arqueológicos. E deve ser aprimorado de modo a também permitir inspecionar células de combustível para geração de energia elétrica.
“O sistema de tomografia com nêutrons complementa e amplia os campos de aplicação das técnicas convencionais de radiografia e de tomografia”, avaliou Pugliesi.
A inspeção da estrutura interna de materiais utilizando a técnica é realizada irradiando a amostra do material em um feixe uniforme de nêutrons (partículas atômicas que não possuem carga elétrica).
Um conversor, composto por elementos químicos com elevada capacidade para absorver nêutrons, como gadolínio, disprósio, boro e lítio, transforma a intensidade de luz transmitida pela amostra em outra radiação, como de elétrons, alfas, prótons e fótons, capaz de sensibilizar um filme convencional para Raios X, de modo a formar a imagem da estrutura interna do material.
Ao utilizar um conversor cintilador, a luz emitida pela amostra pode ser capturada por um sensor de uma câmera de vídeo, que possibilita obter e visualizar projeções em duas dimensões da estrutura interna do material analisado em tempo real. “Por meio deste sistema é possível realizar a análise de processos dinâmicos de líquidos em tempo real”, destacou Pugliesi.
Para obter imagens da estrutura interna do material inspecionado em três dimensões é usado uma sistema similar ao em tempo real que captura imagens individuais (tomos) da amostra sob diferentes ângulos, que são armazenadas em um computador e reconstruídas por um software.
Um programa possibilita visualizar detalhes da estrutura interna da amostra do material estudado em um filme tridimensional, a partir do qual é possível localizar, dimensionar ou quantificar espacialmente qualquer detalhe interno de interesse da amostra.
Segundo Pugliesi, atualmente o equipamento permite realizar algumas poucas tomografias de amostras de material diariamente, mas a ideia é expandir sua utilização.
“Hoje, os maiores usuários desta técnica de tomografia com nêutrons são universidades e instituições de pesquisa. A aplicação rotineira dela exigirá não apenas uma adequação do equipamento, mas também sua aceitação como uma ferramenta de ensaio não destrutivo”, avaliou Pugliesi.
O sistema foi instalado em um dos canais do reator nuclear de pesquisa IEA-R1 do Ipen. Até o final de 2012, o reator deverá passar a operar em sua potência máxima, a 5 megawatt, o que possibilitará aumentar o fluxo de nêutrons nas posições de irradiação de amostras, onde são produzidos radioisótopos – utilizados para produção de radio-fármacos para diagnóstico nas áreas de oncologia, cardiologia e neurologia, além de na agricultura, indústria e pesquisa.