Cnen será revigorada com criação da Agência de Segurança Nuclear

A Cnen está empenhada na criação da Agência de Segurança Nuclear e entregou ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação uma proposta de projeto de lei para este fim, que está sob análise do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Segundo o presidente do órgão, Ângelo Padilha, a Cnen sairá revigorada deste processo, pois irá centrar esforços nas atividades de pesquisa, desenvolvimento e ensino na área nuclear e desenvolverá grandes projetos prioritários, como a construção do Reator Multipropósito Brasileiro, o projeto e construção do Repositório Brasileiro de Baixo e Médio Níveis de Radiação e a implantação do Laboratório de Fusão Nuclear.

 

 

Natural de Novo Horizonte, São Paulo, Padilha graduou-se em engenharia de materiais na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e, em janeiro de 1975, ingressou no Instituto de Energia Atômica (IEA), atual Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), onde permaneceu por 13 anos. Obteve o mestrado, em 1977, na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Epusp) e o doutorado na Alemanha, em 1981. Professor titular da Epusp, orientou mais de 40 dissertações de mestrado e teses de doutorado defendidas na Epusp, no Ipen, na Unicamp e na Alemanha. É autor e co-autor de vários livros e de mais de duas centenas de trabalhos científicos publicados em várias línguas. Foi pesquisador visitante no Centro Nuclear de Karlsruhe, no Instituto Max Planck de Stuttgart e na Universidade do Ruhr de Bochum (RFA) e professor visitante na University of Wales Swansea (Reino Unido). Recebeu vários prêmios científicos nacionais e internacionais. Em 2012, foi eleito membro titular da Academia de Ciências do Estado de São Paulo.

Qual o seu envolvimento com a energia nuclear antes de assumir a presidência da Cnen?

Comecei a me interessar pela área nuclear ainda durante a graduação na UFSCar, motivado por um professor (Levi de Oliveira Bueno), que havia cursado o mestrado nuclear do Instituto Militar de Engenharia (IME-RJ). Ao concluir a graduação, incentivado por outro ex-professor (Ney Freitas de Quadros), me inscrevi no curso de Introdução à Ciência e à Tecnologia Nucleares do Instituto de Energia Atômica (IEA), em São Paulo. Devo reconhecer que o fato de minha namorada, e atual mulher, estar à época trabalhando em São Paulo influenciou na minha decisão. Fiz o mestrado e o doutorado como funcionário do IEA. A minha tese de doutorado, realizada com bolsa da Cnen, no Centro Nuclear de Karlsruhe e defendida na Faculdade de Engenharia Mecânica da Universidade de Karlsruhe, abordou materiais para o elemento combustível do reator rápido regenerador alemão SNR-300. Na década de 1980, fiz parte da equipe que projetou o primeiro reator nuclear brasileiro de potência (para propulsão nuclear). Mesmo depois que fui para a USP, mantive a linha de pesquisas em materiais nucleares e atuei inclusive como consultor técnico da INB-Indústrias Nucleares do Brasil e do Centro Tecnológico da Marinha (CTMSP). Meu primeiro trabalho internacional foi publicado em 1980 em um periódico da área nuclear, o Journal of Nuclear Materials. Minha publicação internacional mais recente foi publicada em 2012 em um periódico da American Nuclear Society. No primeiro semestre de 2012, ofereci uma disciplina de pós-graduação no IEN e quatro  dos meus atuais seis orientados de doutorado na USP desenvolvem suas teses em temas de interesse nuclear. Enfim, atuo em ensino, pesquisa, desenvolvimento e inovação de materiais nucleares de maneira contínua há mais de 35 anos.

Desde a sua criação, a Cnen coordena e fiscaliza as atividades do setor nuclear do país, tendo desempenhado, entre outras atividades, a coordenação do programa Pró-Nuclear. Mas, hoje, a comunidade nuclear reivindica a criação de uma autoridade reguladora que se encarregue do licenciamento e da fiscalização das atividades do setor. Como o sr. vê essa reivindicação e como está o projeto de criação dessa autoridade?

Compartilho da opinião já manifestada por diferentes organismos nacionais e internacionais do setor nuclear quanto à necessidade de se criar órgãos separados: um responsável pela regulação da área nuclear e outro empenhado no fomento e pesquisa das tecnologias do setor. Cabe ressaltar que, em todo o mundo, os países que hoje se destacam nas aplicações da tecnologia nuclear iniciaram suas atividades em órgãos que acumulavam funções de regulação e fomento, até um ponto no qual o desenvolvimento das aplicações nucleares tornasse conveniente a criação de unidades separadas. No Brasil não foi diferente e o modelo atual, ainda sem agência reguladora, vem funcionando de forma adequada. Afinal, foi com a atual estrutura organizacional que dominamos o ciclo completo do combustível nuclear, especialmente o enriquecimento isotópico de urânio e também outras tecnologias complexas como o desenvolvimento e a produção de radiofármacos para milhões de brasileiros, levando o Brasil a uma situação de destaque e prestígio no cenário nuclear internacional.

O Programa Nuclear Brasileiro avançou consideravelmente nos últimos anos e, hoje, o País está em uma situação adequada para a criação de órgãos com funções distintas. Por conta disso, a Cnen empenha-se na criação da Agência Nacional de Segurança Nuclear e elaborou uma proposta de projeto de lei para este fim. O documento foi entregue ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e encontra-se atualmente sob análise do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MP).

É importante ressaltar que, no quadro atual, as atividades de regulação são exercidas com rigor e transparência, o que resulta da segmentação interna na Cnen, com clara separação entre o setor que cuida do fomento (diretoria de Pesquisa e Desenvolvimento) e o setor responsável por licenciamento e controle de instalações nucleares e radioativas (diretoria de Radioproteção e Segurança Nuclear). Entre as diretorias não há relação hierárquica, tendo o setor regulatório total autonomia de ação, inclusive para impor exigências à diretoria responsável pela pesquisa e desenvolvimento dos usos da energia nuclear.

Como se deu a elaboração do projeto? Ela esteve a cargo de uma comissão interministerial ou de especialistas da Cnen?

Um primeiro grupo de trabalho elaborou, ainda no final de 2009, uma primeira versão do projeto de lei para criação da agência. O texto recebeu comentários de ministérios, empresas públicas e demais instituições envolvidas com os temas nucleares no Brasil. Em 2011, um segundo grupo de trabalho com um número de participantes ampliado avaliou as sugestões, ouviu mais especialistas e organizações e preparou uma segunda versão do projeto de lei. Nesse período de dois anos, o projeto recebeu contribuições de numerosos especialistas da Cnen e de vários outros órgãos e instituições.

 Houve consulta à AIEA para a elaboração do projeto?

A AIEA foi consultada, em diferentes oportunidades, para que pudéssemos aproveitar o amplo conhecimento de seus profissionais sobre as diferentes formas de regulação do setor nuclear em nível mundial. Em 2009, um consultor da AIEA veio ao Brasil, em missão técnica solicitada pela Cnen, especialmente para colaborar na elaboração da proposta da agência.

Além disso, é importante ressaltar que os modelos internacionais de regulação dos usos da energia nuclear, adotados em diferentes países, foram analisados para que pudéssemos propor o formato mais atualizado possível para a futura agência brasileira.

Com a criação desse novo órgão, quais seriam as atribuições da Cnen?

A Cnen sairá revigorada deste processo, pois irá centrar esforços nas atividades de pesquisa, desenvolvimento e ensino na área nuclear por meio de seus institutos e centros de pesquisa e desenvolverá grandes projetos prioritários, como a construção do Reator Multipropósito Brasileiro, o projeto e construção do Repositório Brasileiro de Baixo e Médio Níveis de Radiação (RBMN) e a implantação do Laboratório de Fusão Nuclear. A preocupação com essa nova Cnen é constante, pois dela em muito dependerá o futuro da área nuclear no país. Simultaneamente com os grupos internos que discutiram a criação da agência reguladora, foram criados vários grupos que trabalharam na avaliação da estrutura e atividades que terá a Cnen após a separação das funções de regulação.

Em sua opinião, o projeto de criação da agência deve ouvir a comunidade nuclear?

O projeto não apenas deve como de fato ouviu parte significativa da comunidade nuclear. Todavia, é importante lembrar que a comunidade nuclear brasileira envolve pelo menos 7 mil interessados potenciais e não seria factível ouvir rigorosamente todos no tempo disponível. Desde o início da elaboração do texto, houve uma preocupação constante em abrir espaço para a participação de todas as instituições públicas do setor nuclear, das entidades representativas de trabalhadores e empresas do setor privado, sociedades científicas e demais segmentos que, de alguma forma, integram a área nuclear brasileira. Representantes destas organizações foram convidados a contribuir na elaboração da proposta da agência e tiveram suas participações registradas nos processos de discussão. Além disso, uma série de reuniões com os autores destas contribuições permitiu ampliar o espaço para apresentação e defesa de seus pontos de vista. Internamente, a Cnen montou grupos para elaboração dos processos necessários à separação de funções. Um grande número de reuniões possibilitou a participação de servidores das diferentes unidades, diretorias e coordenações da Cnen na elaboração do texto proposto.

Um dos principais problemas enfrentados pelo setor nuclear é o envelhecimento dos seus quadros. Qual o projeto da Cnen para a área de recursos humanos? Está prevista a criação de um programa voltado para a reposição dessa mão de obra?

Em levantamento realizado em 1988, a Cnen chegou a registrar um total de 3.759 servidores. Desta data em diante, apesar do crescimento da economia nacional como um todo e, em especial, do Programa Nuclear Brasileiro, a instituição tem registrado sucessivas perdas de servidores.

O Plano de Carreira para a Área de Ciência e Tecnologia foi criado em 1993. No ano seguinte, o Governo Federal fixou 3.505 lotações para a Cnen. Em 1995, houve um grande número de aposentadorias, o que deixou a Cnen com 2.891 servidores. Nos anos seguintes, várias alterações menores também contribuíram para a redução do quadro de pessoal.

Os concursos realizados ao longo dos últimos anos promoveram um número de nomeações insuficiente para recompor as perdas. Em levantamento de julho de 2012, a Cnen registrou um total de 2.417 servidores. O quadro atual de carência de servidores poderia ter uma sensível melhora com a criação de novas vagas e abertura de concurso público, solicitações frequentes da Cnen junto à Administração Pública Federal.

Paralelamente a este esforço por vagas e concursos, a Cnen preocupa-se em capacitar pessoas. Através de suas unidades, desenvolve atividades de ensino que vão de breves cursos de aperfeiçoamento a programas de mestrado e doutorado na área nuclear. A Cnen possui hoje cinco cursos de mestrado e quatro de doutorado voltados à formação de pessoal para o setor nuclear. Estes programas de pósgraduação estão distribuídos por cinco unidades, em quatro diferentes estados brasileiros (RJ: IEN e IRD; SP: Ipen; MG: CDTN; PE: CRCN-NE). Um levantamento de 2012 apurou um total de 360 mestrandos e 280 doutorandos em formação, quadros que servirão tanto à Cnen quanto às demais instituições da área nuclear do País.

A colaboração com instituições de ensino permite aos profissionais da Cnen repassar conhecimentos a estudantes de graduação e pós-graduação da área nuclear também nestas instituições. Além disso, a Cnen mantém um programa de bolsas para estimular estudos das tecnologias necessárias ao setor. Sempre que convidada, a instituição colabora com cursos, seminários e demais atividades de ensino e debate promovidas pelos diversos segmentos públicos ou privados da área nuclear.

REVISTA BRASIL NUCLEAR,Ano 16, NÚMERO 39, 06 de Dezembro de 2012

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